Era para ser uma tarde Normal...

Eram exatamente três horas da tarde. O velho relógio de parede parecia querer me irritar com os malditos tique taque. A aula extra de história havia começado há uma hora, mas correspondia a séculos em minha mente.
Nesse horário era bem próprio para repor algumas horas de sono mal dormidas; eu até me imaginava claramente em minha cama, descansando feito um anjo... Ah que bom seria!

A matéria que o professor passava na lousa era para ser copiada ligeiramente, pois obviamente esse chato apagaria tudo e o conteúdo seria perdido. Sempre foi assim. Isso me tira do sério.
Olhei de uma maneira pouco amigável à lousa. A letra do professor era ilegível. Fiquei revoltada e decidi silenciosamente não copiar o texto transcrito, mais tarde eu recuperaria o que foi passado de algum colega mesmo.

Sem dúvidas seriam as horas mais longas e tediosas de minha vida. O sinal tocaria as cinco e meia.. E eu me perguntava a todo instante como seria a minha sobrevivência àquela maldita aula. Meus olhos estavam cerrados e meu rosto aparentava estar levemente quente.
Suspirei pausadamente e virei os olhos para baixo. Em um ato interiormente desesperador, soquei minha mão em minha desordenada bolsa e achei nela minha agenda. Dela, arranquei uma folha qualquer, a fim de desenhar um pouco e me distrair.

Então, comecei. Peguei meu velho e pequeno lápis e com ele tracei alguns rabiscos tortos. Meus olhos praticamente não conseguiam enxergar o que era desenhado, pois o meu foco nele havia sumido. Mirava o olhar em algum lugar do papel, menos no desenho que se era formado. Era como se eu não me importasse com isso e até porque eu não me importava mesmo, a única coisa que me interessava era nas tentativas de um pouco de distração.

Após alguns segundos, a figura já estava finalizada. No momento em que direcionei o meu primeiro olhar atento ao desenho, levei um grande susto com o que minhas mãos fizeram.
O lápis conseguiu se soltar de minha mão facilmente devido as gotículas de suor que brotaram de uma maneira instantânea e caótica.

Era um rosto feminino. Seus cabelos eram bem negros, lisos com alguns fios rebeldes e que cobria algumas partes do rosto. A boca era pequena, parecia que queria me dizer algo. Porém nada era mais impressionante que seus olhos. Enormes e arredondados, pareciam perfeitamente reais, com a feição bem adulta.

No mesmo instante, não sei exatamente o porquê, comecei a sentir uma forte ligação com ela. Creio que foi pelo ardente olhar que tinha; O par de olhos fitava-me constantemente de uma maneira complexa e de certo modo formidável. E foi ai que comecei a me alterar.

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Meu coração batia ligeiramente forte e se mostrava querer sair pela garganta. De minha face começavam a brotar um suor de grande quantidade e de uma maneira consecutiva, creio que isso ocorria devido a minha aparente febre. Meus olhos ardiam, fazendo com que lágrimas naturalmente fossem derramadas sobre o papel.

O professor, que antes parecia desanexado com os alunos, chegou silenciosamente por de trás de minha carteira e interrogou com um ar preocupado:
- Ei, você está bem? Não quer tomar um pouco de água?

Levantei-me sem responder, pois eu estava muito mal para realizar tal ação. Corri para fora da sala sem me pronunciar; e até alguns alunos curiosos olharam para mim com o receio de perguntar sobre o meu estado. E é claro, não gosto de dar tais satisfações.

Ah sim. Nesse horário a escola é um pouco vazia, porque há sempre um número maior de alunos no período da manhã do que da tarde. Bem conveniente na minha situação, a final, não iria ser vista por ninguém até porque não gosto um pouco de chamar atenção.

Corri pelo corredor escuro e desértico até chegar ao banheiro de mesmo estado. Acendi as luzes com pressa e fui em direção a pia para lavar meu rosto que queimava. A água que era jogada em minha face parecia não surtir efeito algum na temperatura, mas não desisti.
Minhas pernas já não aguentavam mais e eu acabei desabando ajoelhada no chão. “Provavelmente foi a queda da pressão” – pensou meu lado sério e realista. “Foi com certeza por causa do desenho” – pensara o meu lado fantasioso. Um choque de opiniões se passara em minha cabeça.

Um desenho? Um rabisco? O que aquilo poderia provocar de tão grande mim? Refleti um tanto revoltada. Nesses pensamentos auto-interrogativos, ouvi um sussurro que vinha da em da entrada do banheiro.
- Olá! – falou a voz, que era trêmula e tinha um aspecto sonoro irreal, indefinida.

Ainda no chão, paralisei completamente com a cena. Diante de mim, eu via o desenho que foi feito pelas minhas mãos. Só que desta vez, minha figura tinha um corpo, todo formado de riscos e linhas que se movimentavam aleatoriamente. Não havia nenhuma cor além do branco e preto, deixando a figura bem vaga.

Movimentava os lábios vagarosamente e eu aparentava no momento compreender seus movimentos, conversamos de alguma maneira inexplicável. Infelizmente, não me recordo do que falamos, a única coisa que é memorável é que ela parecia expressar seus sentimentos comigo, como um completo desabafo.

Em seguida, no final de nossa conversa, ela disse algo como um “obrigada”. Dava para notar facilmente o seu sorriso conformador e triste, sua expressão não era a das melhores; demonstrava algum sofrimento ou algum tipo de repreensão de si mesma. Acho que por um leve momento notei um suspiro que exprimia pura infelicidade. Não compreendi.

Após isso, a visão foi ficando cada vez mais vaga. Até que senti uma leve tontura e imediatamente desmaiei; só consegui ver com a vista embaçada, as pernas do desenho se movimentando para a saída do banheiro. Senão me engano bati a cabeça na parede e cai inconscientemente.

.....

Alguém balançava minha cabeça sussurrando “Acorda”. (Era a faxineira da escola e o professor)... Levantei-me tonta e, com a visão embaçada corri desordenadamente até a saída do banheiro, ignorando completamente os dois que me cercaram.
Eu parecia uma bêbada, meus passos estavam distintos, entretanto consegui me apoiar na parede e chegar à saída do banheiro. Olhei em cada canto do corredor mas nada encontrei. Fitei o chão perturbada.

É claro, não demorou muito para um grupo de pessoas me cercassem. Fiquei um tanto confusa. Entre as frestas dos corpos das pessoas, ao fim do corredor, era possível que meus olhos enxergassem novamente e jovem do desenho. Ela mais uma vez sorriu para mim, entretanto desta vez de um modo diferente. Era um sorriso com um ar mais confortador e fraternal; após isso, sumiu misteriosamente.

Tomei um gole de água e pedi para que as pessoas não se preocupassem comigo e retomassem seu trabalho.
Voltei a sala a sala tentando transparecer calma – até porque eu não estava – sentei no meu lugar e suspirei com o coração na mão.

Ao me direcionar ao papel na qual eu havia desenhado, notei ele estava perfeitamente em branco, intacto, sem nenhum rabisco ou rasura se quer. Arregalei os olhos e tremi um pouco. Muito, mas muito estranho.
Passei os restos das horas que faltavam para o término da aula apenas refletindo sobre o que havia acontecido... O pavor tomava conta de mim, dos pés até a cabeça, sentia-me assustada demais, até porque antes disso sempre fui uma garota bem realista e não acreditava em fantasia e contos de fada.
Até pensei em contar para os meus amigos sobre o ocorrido, mas é claro que nenhum deles, por mais próximo que fosse de mim acreditaria. Lamentável para minha situação.
O mais apropriado seria viver como se nada disso tivesse acontecido, como se fosse um doce e pouco recordável sonho. Como se isso fosse possível.

Depois daquele dia, as aulas de história nunca foram tão interessantes.